terça-feira, 27 de abril de 2010

Descobertas vividas por um novo olhar no museu





Ana Cristina Satiro de Souza - Arquiteta gerontóloga,

Diretamente para o Portal do Envelhecimento
[http://www.portaldoenvelhecimento.net/acessibilidade/acessibilidade44.htm] em abril de 2010



A matéria “Arte resgata idosos do isolamento” recentemente publicada no Jornal O Estado de S. Paulo, provocou a escrita deste artigo que enfoca questões pertinentes à relação do homem com o ambiente construído a partir de uma pesquisa de campo .

Nossos espaços ainda são usualmente projetados sem levar em conta que 21 milhões de brasileiros tem mais de 60 anos de idade ou algum tipo de deficiência física - superando os contingentes de países europeus como França, Itália e Inglaterra. Desse modo, essa população experimenta dificuldades de acesso e mobilidade nas edificações que não contemplam os requisitos de acessibilidade – muitos dos quais previstos em normas e legislações de diversos âmbitos. Em face desse contexto, realizamos uma visita ao Museu Brasileiro de Escultura (Mube), em São Paulo, com um grupo de idosos a fim de verificar, na prática, as condições da ocupação do espaço por esse segmento populacional. Os resultados dessa pesquisa de campo são aqui relatados e discutidos sob uma perspectiva interdisciplinar, pautada por preocupações e princípios concernentes à arquitetura, à museologia e à gerontologia.

O texto está estruturado da seguinte forma. Apresentam-se inicialmente um breve apanhado histórico da arquitetura de museus e uma descrição da configuração arquitetônica do Mube. Em seguida são abordados alguns conceitos instrumentais acerca da relação homem/ambiente. Esses conceitos embasam a discussão empreendida na seção seguinte, que apresenta as nossas considerações sobre a interação dos idosos com o ambiente arquitetônico e cultural do Mube.


A arquitetura de museus: um breve panorama histórico

O museu é hoje compreendido, conforme definição do Conselho Internacional de Museus (ICOM), como “uma instituição permanente sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, difunde e expõe o patrimônio tangível e intangível da humanidade e de seu ambiente para fins de educação, estudo e recreação”.

Em suas origens mais remotas, porém, essa instituição tinha outro caráter. No início do século III a.C., o rei do Egito Ptolomeu I construiu em Alexandria o Mouseion – “templo das musas”, na acepção original do termo grego –, que consistia em um complexo de prédios consagrados exclusivamente às atividades de estudo e ensino em diversas áreas do saber e das artes.

Tal como reconhecido atualmente, o museu teve seu modelo esboçado no contexto do Renascimento, quando as artes se desvincularam das instituições religiosas. Isso levou a uma intensa produtividade artística e a uma valorização das obras de arte, ensejando-se então o interesse em preservar e expor as criações do homem.

O primeiro museu público de que se tem notícia foi o Museu Britânico, fundado em 1753 e aberto à visitação seis anos depois. Foi nessa época que a arquitetura passou a dar atenção mais específica ao edifício do museu. A monumentalidade será por longo período um fator inerente à instituição, como preconizou o arquiteto francês Jean-Nicolas Durand ao propor o “museu ideal”. Desenhado em bases geométricas e com rigor simétrico, esse modelo ideal tem uma organização espacial com longos eixos que convergem para o centro do edifício.

Essa concepção arquitetônica predominante só começa a ser reinterpretada no século XX, sobretudo a partir da década de 1930. É quando o arquiteto francês Auguste Perret propõe princípios para um museu moderno. Ele suprime o caráter de monumentalidade, mas mantém certa simetria e a organização espacial em torno de um eixo central; principalmente, propõe que um museu, além de ser um lugar para a conservação de artefatos, deve atender às condições de conforto e solidez, de modo a perdurar por gerações futuras. Paralelamente, Le Corbusier idealiza o “museu de crescimento ilimitado”, que apresenta traçado geométrico em espiral quadrada e permite ampliações sem limites, proporcionando assim soluções de flexibilidade e extensão para o edifício do museu.

Já na década de 1940, Mies van der Rohe abre caminhos para o surgimento de novas tipologias nos projetos dos museus. A partir de então a liberdade de criação artística chega à prancheta nos estudos arquitetônicos de museus, concebendo seu edifício como um espaço de fruição estética em si próprio, e não só em função dos objetos preservados.

A arquitetura do Mube

Projetado em 1986 pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, o Museu Brasileiro de Escultura (Mube) foi inaugurado em 1995. Localiza-se no Jardim Europa, bairro da Zona Oeste da cidade de São Paulo cuja configuração urbanística se destaca por lotes residenciais com amplas massas verdes. O edifício confronta com a avenida Europa, que se estende desde o centro da cidade até o rio Pinheiros. Essa importante via pública está fortemente demarcada no projeto do Museu pela grande viga protendida de 60 metros de vão livre. Suspensa em sentido perpendicular à avenida, a viga faz o Mube se destacar na paisagem – traço característico dos marcos arquitetônicos projetados por Paulo Mendes da Rocha, que se inserem no entorno de maneira criativa e provocante.

A concepção arquitetural do Museu foge à ideia convencional de edificação elevada no terreno: seu volume está abaixo do nível da rua, a partir da qual se abre uma esplanada formada por uma praça alta e outra baixa. Os ambientes semienterrados compreendem grandes salões e apresentam continuidade por meio de rampas, escadas e luz natural. A área ocupada pelo Mube, de cerca de 6.900 m2, tem dimensões reduzidas para os fins de conservação de um acervo. Desse modo, sua principal vocação consiste em promover exposições, cursos e outros eventos voltados a fomentar o conhecimento e o desfrute da produção escultórica e de outras manifestações artísticas. Em conformidade com o modelo arquitetônico moderno, os espaços expositivos do Museu são amplos e livres, propiciando acomodar todo tipo de objeto de arte e explorar as mais diversas possibilidades expográficas.

Conceitos instrumentais: a relação homem/ambiente

A fim de explicitar os fatores instrumentais que compõem a análise da visita ao Mube apresentada a seguir, abordamos aqui alguns conceitos sobre as relações do ambiente construído com o homem e as suas particularidades diante do envelhecimento.

A imagem ambiental que se apresenta para o usuário de um determinado espaço resulta de um processo de interação entre esse observador e o ambiente. A realidade final do espaço pode variar entre os observadores, mas o processo de construção dessa imagem pode ser conceitualmente generalizado e decomposto em três elementos: identidade, estrutura e significado.

A identidade diz respeito a um objeto em separado e com características próprias, que levam o observador a reconhecê-lo ou não. A estrutura consiste na relação espacial que o objeto mantém com o observador, com os outros objetos e com o espaço como um todo. Por fim, esse objeto ou espaço deve ter algum significado para o observador, seja ele prático ou emocional. Assim, deve haver um vínculo de identificação e reconhecimento na relação dos usuários com o ambiente e os objetos que o compõem.

Para que esse processo de interação e reconhecimento se dê em toda a sua plenitude, o ambiente construído deve ser estruturado de modo a proporcionar condições adequadas a todos os seus usuários, o que implica considerar as especificidades daqueles para quem essa interação é inerentemente dificultada em razão da perda ou diminuição de certas capacidades fisiológicas. Nesse sentido, são determinantes os aspectos contemplados sob a noção de acessibilidade.

No contexto aqui em pauta, essa noção tem por princípio básico o reconhecimento da diversidade humana em suas variantes de sexo, idade e capacidade funcional. Haja vista a constatação de que parcela significativa da população é composta por pessoas que têm algum tipo de limitação física, falar em acessibilidade significa, de um modo geral, projetar espaços que proporcionem boas condições de mobilidade e orientação para os usuários que vivenciam tais limitações, notadamente os portadores de deficiência física, os idosos e as gestantes.

Desse modo, o ambiente construído deve ser concebido de maneira a atender às necessidades específicas desses segmentos populacionais, garantindo-lhes segurança, conforto e autonomia no uso dos espaços e dos seus equipamentos. Isso implica que os ambientes não apenas devem ser livres de quaisquer barreiras que limitem ou impeçam o acesso e a circulação desses usuários em particular, mas também devem lhes dar atenção diferenciada na forma de instalações e assentos de uso preferencial, sinalizações e informações de fácil entendimento, entre tantas outras medidas que possam favorecer sua inclusão social.

Num sentido mais amplo, tornar os espaços acessíveis a portadores de deficiência, idosos e gestantes significa promover sua inclusão social e garantir-lhes o pleno exercício da cidadania. Sob todos esses aspectos, o museu tem uma importante função social a cumprir como um espaço cultural, educativo e recreativo de interesse público.


O idoso e o museu: uma pesquisa de campo


Objetivo e metodologia

A pesquisa de campo aqui apresentada partiu do propósito geral de obter noções experimentais sobre a interação do idoso com o espaço construído do museu. Para tanto, realizou-se com um grupo de idosos uma visita ao Mube por ocasião de uma exposição de esculturas de Michelangelo. Essa visita foi objeto de um questionário semiestruturado com oito perguntas referentes à ocupação do espaço, considerando aspectos de acessibilidade, locomoção, conforto e receptividade (ver Quadro-síntese do questionário). A aplicação do questionário foi feita mediante conversa direta entre o pesquisador e os entrevistados após o percurso da exposição.

A visita transcorreu no dia 27 de novembro de 2008, durante o período da tarde. O grupo pesquisado foi composto por 14 pessoas com idade entre 60 e 80 anos, todos do sexo feminino. Somente um dos participantes do grupo utilizou cadeira de rodas durante a visita; os demais eram independentes e autônomos. Todos apresentaram bom desempenho cognitivo na compreensão do questionário e no relato de suas impressões.

Análise dos resultados

A concepção espacial de um museu deve criar um ambiente complexo e vibrante, que gere uma tensão artística e simbólica positiva e que se abra para várias possibilidades interpretativas nas suas relações com os visitantes. Mas também deve prever soluções ambientais que contemplem a diversidade de seus usuários, como ressaltamos na seção anterior. Em nossa visita ao Mube, todos os entrevistados demonstraram satisfação estética ao relatar a sensação de prazer visual com o espaço e as esculturas. Conforme a maioria dos depoimentos, porém, essa tensão estética positiva se converte numa tensão de insegurança física no momento de circular pelas rampas do museu. Essa insegurança se deve principalmente à inadequação do corrimão, que não favorece aos idosos a circulação vertical no espaço percorrido.

A progressiva perda de força muscular no processo do envelhecimento impõe cada vez mais a necessidade do uso de equipamentos que compensem essa limitação física. Tal é o caso do corrimão, um equipamento que é reconhecidamente essencial à locomoção do idoso, e que a bem da acessibilidade deve ser instalado de acordo com as especificações recomendadas na Norma 9.050/2004 da ABNT.

A iluminação do ambiente expositivo foi considerada inadequada pela grande maioria dos entrevistados. Ao se interpretar tal apreciação, deve-se levar em conta que esse ambiente recebe pouca luz natural por se tratar de um museu semi-enterrado, e também que no cenário expográfico a iluminação deve ser predominantemente focada nas esculturas. Não obstante esses fatores, cabe constatar que um ambiente com pouca iluminação impõe sensações visuais pouco confortáveis para o observador idoso.

Conceitualmente, a relação do homem com o espaço construído pode ser descrita como uma experiência sensorial pautada pela “pressão” dos estímulos no ambiente. Essa pressão deve ser mantida num nível de estímulos adequado: quando a pressão se encontra abaixo desse nível, predispõe ao tédio e à diminuição do aproveitamento; quando se encontra acima dele, o usuário pode se sentir desconcentrado e confuso. Ao criar um ambiente escuro, a iluminação da exposição exerceu um nível de pressão muito alto e acabou por provocar desconforto nos visitantes do nosso grupo. Muitos deles relataram incômodo com a escuridão e pressa de se deslocar para ambientes mais claros, em que pudessem ter maior segurança para a sua orientação espacial.

Essa alta pressão gerada pela iluminação sobre o idoso pode ser fisiologicamente explicada pelas perdas sensoriais da capacidade de visão que acompanham o envelhecimento. Além da diminuição da acuidade visual, há redução do ângulo da visão periférica, menor capacidade de visão noturna, sensibilidade ao ofuscamento, dificuldade na adaptação entre claro e escuro, menor noção de profundidade, menor discriminação de cores etc. Tudo isso justifica a necessidade de um projeto luminotécnico que contemple as especificidades de todos os expectadores e crie uma estrutura ambiental propícia a relações plenas de significado e identidade, sem excluir o usuário idoso.

Outra deficiência de visão na velhice consiste na dificuldade em ler letras pequenas, o que justifica a apreciação negativa sobre o material impresso apurada em nosso questionário. De fato, o folheto da exposição tinha uma letra com corpo muito reduzido para o leitor idoso. Outro aspecto negativo apontado pelos entrevistados quanto ao material impresso foi a ausência de informações que esperavam encontrar, tais como tempo de duração da visita à exposição, recomendações de horários, indicações sobre área de alimentação e valores cobrados.

Nos tempos contemporâneos, o museu cumpre as funções simbólicas e históricas da catedral como lugar de sociabilidade ao propiciar encontros e conversas em meio às obras de arte. Contudo, essa sociabilização só se dá plenamente na medida em que a estruturação ambiental predisponha às interações sociais, como pode ocorrer com a disponibilidade de bancos ou áreas de descanso no espaço expositivo. A maioria dos entrevistados afirmou não ter encontrado equipamentos para contemplação ou descanso nos espaços do Mube. A ausência desses elementos na estruturação do espaço tem uma dupla consequência: deixa-se de proporcionar ao visitante não só a comodidade de sentar-se para descansar ou para contemplar mais demoradamente os objetos de arte expostos, mas também a oportunidade de entabular relações com outros visitantes. Desse modo, enfraquece-se a dimensão do museu como lugar de estreitamento dos vínculos sociais e não se fortalecem os elos de identificação com o próprio museu.

Essas observações são reforçadas por outro resultado apurado em nosso questionário. Indagados sobre a possibilidade de que viessem a retornar ao Museu sozinhos ou com familiares/amigos, os entrevistados responderam em sua grande maioria que não voltariam sem o ensejo da visita em grupo. Isso sugere que a motivação para a ida ao museu residia em grande parte no próprio “grupo”, na visita realizada em conjunto, o que nos remete justamente à questão da criação de identidade simbólica na relação com o ambiente. Nesse caso, a identificação simbólica com o museu foi incapaz de motivar o desejo de reviver as emoções estéticas ali experimentadas, e mais ainda, de compartilhá-las com familiares e amigos.

Considerações finais

A pesquisa de campo aqui apresentada teve um caráter experimental. Seu principal objetivo foi o de investigar na realidade de uma experiência direta alguns dos elementos de uma problemática abrangente e complexa, que mobiliza preocupações pertinentes à arquitetura, à museologia e à gerontologia. Essas preocupações convergem para um esforço interdisciplinar no sentido de discutir e solucionar problemas que afetam a população idosa no que diz respeito às condições de acessibilidade no espaço construído – condições que foram resumidamente enfocadas na seção dedicada aos conceitos sobre a relação homem/ambiente.

Na medida em que a expectativa de vida dos brasileiros vem aumentando e o segmento das pessoas com mais de 60 anos de idade já representa 11,1% da população do país, a acessibilidade se torna uma questão social cada vez mais relevante, com particulares implicações no âmbito enfocado por este artigo: a arquitetura de museus. Dada a importância do papel cultural, educativo e recreativo dos museus na sociedade em que se inserem, cabe projetar e adaptar os espaços de suas edificações de tal modo que atendam às necessidades específicas de acesso e mobilidade dos idosos. Foi justamente nesse sentido que se orientou a iniciativa de nossa pesquisa de campo. Ao aferir e analisar a adequação do espaço e dos equipamentos de um museu ao visitante idoso, esperamos ter contribuído para subsidiar e ampliar as discussões sobre a temática da acessibilidade.


Bibliografia consultada

LEITE, Fabiana. Arte resgata idosos do isolamento. Jornal O Estado de S. Paulo, 21 de fevereiro de 2010.

GONÇALVES, Lisbeth R. Entre cenografias: o museu e a exposição de arte no século XX. São Paulo: Edusp, 2004.

HALL, Edward T. A dimensão oculta. Trad. de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

MONTANER, Josep M. Museus para o século XXI. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003.

QUEIROZ, Rodrigo (org.). Arquitetura de museus: textos e projetos. São Paulo: FAU-USP, 2008.

RESOURCE: The Council for Museums, Archives and Libraries. Acessibilidade. Trad. de Maurício O. Santos e Patrícia Souza. São Paulo: Edusp, 2005.

SANTOS, Sónia Maria A. Acessibilidade em museus. Dissertação de mestrado, Porto, 2009 (mimeo).



Agradecimento especial à pedagoga, mestre em Gerontologia e
pesquisadora mentora do Portal do Envelhecimento Regina Pilar Galhego
Arantes pelo apoio na pesquisa de campo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A arte relegada à tutela

Escrito por:
Elizabet Dias de Sá
Psicóloga e Educadora
Belo Horizonte, dezembro de 2006.


Certo dia, estive em São Paulo, onde participava de um evento e quis aproveitar o horário do almoço para conhecer a Pinacoteca do Estado, pois só contava com aquele momento para esta atividade. Fui com duas colegas de trabalho que estavam no mesmo evento. Imaginei que poderia chegar, entrar e sair como qualquer pessoa. Mas, a nossa visita se converteu em uma experiência malograda e constrangedora.

Na recepção, descobrimos que somente elas pagariam o ingresso, pois a entrada é gratuita para pessoas com deficiência. Mal começamos a percorrer o espaço e percebi que se tratava de uma exposição de arte liberada para os olhos e não para as mãos. Ao ouvir a descrição de minhas colegas, toquei em uma das esculturas de bronze e fui prontamente barrada pelo funcionário, que se comportou de modo impecável como fiel guardião do tesouro. Ele argumentou que era necessário agendar uma visita orientada conforme prevê o programa educativo para “públicos especiais” e eu disse que minhas colegas estavam em condições de acompanhar-me. Afinal, elas trabalham na área da deficiência visual além de sermos adultas e idôneas. Esclareci, também, que viajaria no final daquela tarde. Ele se mostrou solícito e foi consultar os seus superiores. Entre as idas e vindas de um e outro funcionário para solucionar o problema, eu tocava em uma escultura de bronze e logo vinha o sentinela para me impedir. Então, eu disse a ele para me mandar prender.

Ele voltou com algumas pessoas e todas elas me convidavam a integrar um grupo de alunos cegos com visita programada àquela tarde. Eu explicava que o horário não era compatível com o meu compromisso e elas insistiam com argumentos e explicações acerca do agendamento para “públicos especiais”. Alegavam que eram normas estabelecidas, que teriam prazer em me apresentar o programa, que eu iria gostar muito. Enquanto isto, o tempo passava e o impasse continuava. Argumentei que minhas colegas poderiam me auxiliar no deslocamento e na descrição das obras e tudo que eu queria era apenas apreciar, à minha maneira, aquela exposição. A responsável pelo programa explicou que isto não era possível porque somente ela tem o contexto do projeto e disponibilidade para orientar visitas previamente agendadas. Meus argumentos eram rebatidos com a mesma ladainha: as normas, a especificidade do programa e a insistência no convite para aguardar o grupo de estudantes cegos. A esta altura o mal estar estava instalado e todos mostravam desconforto diante da situação.

Perdi a paciência ao ouvir o mesmo argumento repetidas vezes. Perdi também a racionalidade e deixei rolar as lágrimas de uma emoção impregnada de múltiplos sentimentos. Para aquele grupo, eu precisava compreender que as normas não permitiam que uma pessoa cega tocasse em uma obra de arte a não ser em uma visita monitorada por eles. Para mim, o silêncio perplexo diante da insensibilidade travestida de cortesia e complacência. Ouvia repetidas explicações acerca das normas estabelecidas. O toque só era consentido em certas circunstâncias e por meio de um ritual programado para este fim. Assim, eu deveria contentar-me com a concessão de aguardar o horário do grupo programado para aquela tarde, integrar-me a ele e conhecer a pinacoteca. Não me autorizavam a fazer a visita individualmente porque há um ritual previsto e orientado. Tudo é uma questão de preservação das obras que estariam em risco se as pessoas não cumprissem as normas do museu. Em suma, fui tratada como se fosse uma predadora em potencial ou uma criança que não tem autonomia nem idoneidade para se responsabilizar por seus atos. Nesta instituição, vale mais a rigidez das normas, o protagonismo dos programas do que a livre apreciação da arte por qualquer pessoa.

Este episódio me lembra as palavras de Oscar Wilde: “Os que encontram significações belas nas coisas belas são os cultos, Para esses há esperança. Eleitos são aqueles para quem as coisas belas apenas significam Beleza”



Fonte: Banco de Escola
http://www.bancodeescola.com/aarte.htm

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A arte pública como vitrina para políticas museais
Por Emerson Dionisio Gomes de Oliveira



Cidades, arte e museus: As intervenções artísticas operadas nas cidades brasileiras vêm sendo estudadas, há pouco mais de duas décadas, como um poderoso instrumento para pensar as aglomerações espaciais urbanas. Um ponto marcante nesses estudos é a abordagem do urbano como um sistema em construção e não como uma estrutura construída e objetivada. A unidade utópica da cidade perdeu-se nas imaginações de centenas de urbanistas que, no século XX, acreditavam ser possível a constituição desse sistema exterior a si mesmo e, portanto, fechado. Abordada por artistas contemporâneos, que se voltaram à discussão das intervenções, a cidade é analisada como um campo significativo, qualificada por uma rede de relações – históricas, políticas, econômicas, culturais, estéticas entre outras –, cujos sentidos perpassam sua materialidade e seus processos formadores [1].
Vista assim, a cidade perde seu caráter de espaço neutro ou sua capacidade de cenário. Os artistas contemporâneos enfrentam, portanto, um duplo desafio: constituir-se no espaço a partir da arte e comunicar-se com a comunidade que o habita. Os parâmetros da arquitetura moderna e dos sistemas escultóricos tradicionais não servem para responder a esses desafios. Antigas formulações de ocupação do espaço equivocam-se por não manterem uma relação crítica com seu entorno. Dessa forma, os artistas, atualmente, têm buscado compor suas intervenções a partir de uma análise simbólica desse urbano, em que a arte participa como constituinte e não como constituída, criando um campo processual entre o urbano e o “estar” artístico.
Crise
A busca desse campo foi aberta pela longa crise que tem afetado os espaços contemporâneos tradicionais voltados à manutenção e à comunicação da arte feita em nossos dias. Os modelos de museus de arte contemporânea no mundo todo têm encontrado grandes dificuldades para incorporar as novas proposições apresentadas pelos artistas, seja na sua dimensão estética ou na sua escala. As artes urbanas e suas diferentes configurações apresentam-se, assim, como uma possibilidade para a compreensão desse campo processual arte/urbano e, concomitantemente, para dar vazão a uma demanda que museus, galerias e centros culturais não abarcam.
Dentro dessa perspectiva, qual será o papel dos espaços museais para estas intervenções? Como localizar-se diante da produção voltada para o urbano? A inadequação do museu às dimensões dessas intervenções o desvaloriza como espaço de discussão contemporâneo? E o mais relevante para nossa discussão: será a cidade apenas uma alternativa ao sistema expositivo?
Nossa proposta aqui não é responder a essas questões, mas, sim, indicar mais um exemplo, entre tantos, das complicadas relações entre museus e arte produzida no espaço da cidade.
O Museu de Arte Contemporânea de Campinas[2], em sua história de formação e fixação, tem, em diferentes momentos, se voltado para as questões do urbano, contudo esses momentos não são marcados por uma política contínua de incentivo às intervenções da arte urbana, o que denuncia mais as dificuldades do museu em incorporar as artes visuais desse segmento do que a qualidade dos projetos artísticos apresentados. Parte desta questão está diretamente ligada à falência do modelo do museu de arte como guardião do “objeto” artístico. Sendo assim, como incorporar em seu acervo uma intervenção que, na maioria das vezes, configura-se como efêmera e entrópica?
Incentivo
Os museus de arte, em especial os brasileiros, têm adotado o incentivo à produção de arte pública e à recuperação da experiência processada pelas intervenções por meio de mídias de apoio (fotografia, vídeo, literatura específica etc.) – o que lhes dá a discutível noção da intermediação –, deixando de pretender o centro da política formadora dessa experiência e passando a ser apenas catalisadores ou depositários da mesma. A contraparte é que esse modo de agir garante a possibilidade da guarda das memórias dessas experiências e torna visível e mais duradoura a discussão no campo processual entre arte e urbano, sem excluir, em tese, o museu e outros espaços museais desta discussão.
Esta redefinição de conduta traz aos museus uma série de benefícios, na medida em que eles passam a apoiar políticas de intervenção/interação no espaço urbano. O primeiro e mais evidente desses benefícios é a mudança na abordagem dos seus próprios processos de documentação e de comunicação dos acervos. Quando somos obrigados a entrar nas tênues e politizadas discussões sobre as inserções artísticas e o entorno afetado por elas, entramos numa gama variada de debates sobre materialidade, técnicas e redefinições que nos ajudam a compreender nossos bens. Krauss alerta para o fato de que, por exemplo, sem a iniciativa ousada das primeiras intervenções em grande escala nos anos 60 e 70, muitos museus e galerias ainda estariam classificando instalações como um conjunto de esculturas [3]. Nessa linha, a arte pública situa-se na interface entre o espaço institucionalizado e o urbano, incluindo a reflexão sobre a cidade e suas configurações na esfera da memória dominada pelas instituições museais.
Outro benefício que se destaca nesse contexto é a conquista de uma nova visibilidade pública, uma vez que os museus passam a talhar sua imagem junto à ampla e heterogênea esfera das defesas do patrimônio histórico, cultural e artístico da e na cidade. Essa posição positiva os museus num discurso mais contemporâneo no que tange às questões de memória e preservação e os livra de dois marcados estereótipos clássicos: a amplamente divulgada metáfora de arquivos mortos; e a sua identificação como espaços ego-conservadores, uma vez que se preocupam apenas com suas coleções. De fato, o oposto pode acontecer, uma vez que, dependendo do modo como aderem às políticas patrimoniais, museus podem participar de movimentos preservacionistas, que, como indica Choay, em seus excessos apontam para um desejo de conservação do passado a qualquer custo, uma maneira defensiva que garantiria a manutenção de uma identidade ameaçada pelas rápidas mudanças tecnológicas[4]. Tal posição, de fato, apenas reforçaria as corriqueiras e vulgares representações dos museus, por isso a adesão dos museus às produções artísticas em espaços urbanos ou em comunidades específicas não é em si garantia de prestigio junto às formulações mais museológicas contemporâneas.Trata-se de uma discussão que, por sua amplitude crítica, está longe de ser encerrada com esta síntese do problema. Antes de pretender esgotá-la – algo perceptivelmente improvável, dada a complexidade dos problemas –, nos voltamos para um caso específico e para o modo como tais questões se entrecruzam.
Interações
Amálgama: No final de 2002, a artista Sylvia Furegatti [5] foi convidada a criar, para o Museu de Arte Contemporâneo de Campinas “José Pancetti” (MACC), uma obra que tivesse três preocupações em seu corpo: (1) temática: a Secretaria Municipal de Cultura da cidade desejava comemorar, em 2003, o ano Internacional da Água; (2) publicidade: a obra deveria constituir-se no e para o espaço de circulação pública; (3) memória: a obra seria incorporada ao acervo do museu.
Furegatti apresentou três propostas, e o museu optou pelo projeto intitulado Amálgamas, cuja finalidade era dispor, sobre uma praça do centro da cidade, cerca 11.000 pedras de sabão azuis e mais 4 esculturas de sabão amalgamado.
Além de uma discussão profunda sobre o tema, Furegatti propunha também que, a cada pedra, fosse fixada uma frase sobre o tema água. Essa última idéia foi sendo amadurecida ao longo de três meses, durante o treinamento de 32 voluntários, e resultou em frases de diferentes autorias e códigos discursivos que variavam do científico ao literário.
O lançamento do projeto fora inicialmente marcado para o dia 11 de julho, mas, diante do atraso dos contratos com apoiadores, a data definitiva foi fixada em 22 de agosto. Naquele dia, a partir das 5 horas da manhã, Sylvia Furegatti e os participantes do Amálgamas começaram a montar a obra no Largo das Andorinhas, no centro de Campinas. Cerca de 150 m² de área do Largo foram cobertos com as pedras de sabão, concentradas na parte interna da praça, deixando-se livres as calçadas externas, bem como corredores entre as pedras de sabão para o trânsito de pessoas. Em quatro pontos distintos, foram colocadas esculturas feitas com sabão derretido sobre almofadas d’água, conforme o planejado, e, durante todo o dia, os voluntários foram oferecendo as pedras para os passantes. Cerca de 15 dias após a iniciativa, toda a fase documental do projeto (fotos, vídeo, camisetas, pedras de sabão, relatos) fora exposta nas dependências do MACC.
Embora o processo tenha acontecido sem muitos imprevistos, apenas hoje vemos o quanto o museu alterou o projeto original da artista;se não na sua forma material, ao menos nos trânsitos discursivos que partiram da obra. Para o MACC, o projeto foi uma maneira de reafirmar sua presença na cena das artes visuais da cidade, de um modo um tanto diferente daquilo que o museu tinha passado a significar nos últimos anos: um espaço expositivo convencional que vez ou outra lançava mão de políticas de artes ou produções artísticas atreladas às experiências mais ou menos ousadas com valores seguros.
Produção
Desde seus primeiros anos, sobretudo nos anos 70, o MACC assistiu a diferentes intervenções urbanas. Artistas regionais como Bernando Caro, Marco do Valle, Egas Francisco e Geraldo Porto haviam utilizado a cena urbana como palco para realizar intervenções muito diversas entre si. No entanto, de uma forma ou de outra, a participação do museu era, se não secundária, pouco relevante. No caso de Amálgamas, a idéia partia antes da necessidade do museu em registrar pela primeira vez em seu acervo uma intervenção, patrocinada e controlada pela instituição. Nesse sentido, nas intervenções anteriores, a cidade revelava-se como o espaço natural da socialização e da realização material e cultural dos artistas. Agora não, mesmo levando em consideração, por intermédio da artista, os espaços de trocas e as representações múltiplas dessa cidade, ela era vista como um território a ser marcado pelo museu, utilizado por ele como escada para uma pretendida atualização de seu acervo [6].
É justamente nesse ponto que artista e instituição cindem suas intenções. Há mais de três décadas que os espectadores estão acostumados a ver performances, instalações, happenings e sites specifics pelos museus brasileiros, da mesma forma que, lentamente, desde os anos 70, um público mais habituado com a produção da arte contemporânea tem assistido a diferentes intervenções artísticas no espaço urbano. Em centros culturais marginais como Campinas, a história é diferente. Se, nos anos anteriores, o museu teve dificuldades em abraçar propostas de intervenções dessa natureza, isso pode ser um indicativo de que o museu não se sentia ameaçado no seu papel de centro de referência à arte da cidade. A acessão das tecnologias da informação e a difusão de novas possibilidades híbridas de arte criaram uma nova praça comunitária e, de certo modo, inventaram novos tipos de representações sobre a cidade – uma cidade onde as determinações e os limites das fronteiras sofrem constantes mutações. Nessa nova configuração, o museu viu-se desafiado a indiciar-se nessas novas formas de representação do urbano:
Sistema de relações mais do que lugar unívoco, a cidade requer uma conexão de espaços diferenciados entre si (porque definidos cada um pelas sociedades que a habitam) e, todavia, superpostos (aos sistemas que se cruzam em ‘treliças’, acrescenta-se a sedimentação de sistemas históricos). À homogeneidade abstrata de uma racionalidade única, as experiências tentam substituir uma estrutura de pluralidade em que, por exemplo, o hábitat de uma minoria não tome a forma de abscesso, mas seja reconhecido como um modo espacial de existir entre outros, sem que, no entanto, deles se isole. Quando admitirmos pensar e tratar a cidade não como uma linguagem unívoca, mas como uma multiplicidade de sistemas que fogem aos imperativos únicos de uma administração central, irredutíveis a uma fórmula global, impossíveis de isolar do hábitat rural, comportando organizações econômicas, mas também sistemas de percepção da cidade ou de associações, de vias que são práticas urbanas, vivenciaremos um novo tipo de sociedade.[7]
Olhares
Esse modo de operar a cidade encontrou um projeto que fora orientado por uma visão comemorativa, uma idéia de manifesto, que buscou oferecer à cidade aquilo que poderia tornar mais potente o seu olhar sobre a questão política, mas, sobretudo, sobre si mesma. O centro do projeto inicial residia na comunicação das questões diversas sobre a utilização dos recursos hídricos, mas, graças à artista, o projeto acabou identificando-se com uma esfera mais ampla, de caráter mais simbólico e histórico entre o tema e a cidade, como ela manifesta aqui:
A crescente preocupação com a acessibilidade e o fluxo do trânsito nas grandes cidades, já há algum tempo, tem se tornado ponto de interesse também para a produção artística contemporânea. Noções antes reservadas às esferas de discussão política e do urbanismo passam a integrar o discurso estético de projetos artísticos constituídos pela intervenção urbana ou pelas formas da chamada nova arte pública (1). Discussões sobre a qualidade de vida; a análise sobre os fluxos de pessoas, mercadorias, interesses individuais; integração de moradores de uma mesma vizinhança, dentre outros valores, estabelecem-se como repertório passível de ser estetizado pelas estratégias criativas da contemporaneidade abrindo uma nova frente de atuação e visibilidade para o papel e a produção do artista.[8]
Construir um projeto obedecendo aos anseios do “realizador” (MACC) supõe que a criação estética corresponda a um certo número de critérios: vocação para a universalidade, utilização de elementos midiáticos mais comuns, conteúdo que se dirija ao mais amplo público. Nessas condições, como a singularidade do artista pode sobreviver? Estas exigências devem ser consideradas no interior da economia da comunicação, todavia é preciso igualmente compreender seus efeitos sobre a criação. No caso de Furegatti, a singularidade não fora reduzida à média, muito embora ela tenha tentado ao máximo observar as necessidades do “realizador”. A artista optou, dentro de um terreno incerto, por manifestar sua singularidade através de elementos profundamente compartilhados[9], conferindo a toda a execução do trabalho um caráter coletivo.
Aqui a artista colocou o peso de sua formação intelectual. Furegatti, ao optar por uma arte transversal e de amplo impacto, deixa claro, em todo o processo, o quanto é radical a idéia de que a qualidade é, por essência, estranha à cultura de massa. É preciso compreender como ela irá incorporar cada uma dessas necessidades ao seu fazer arte, para além de um discurso melancólico ou de uma cólera denunciadora, vieses que têm seus lugares, mas que são impotentes quando vistos fora do processo artístico. Das pequenas frases em cada pedra de sabão até a utilização de efeitos de marketing e publicidade, a artista não conformará a temática política que reveste a questão da água doce a um discurso meramente panfletário; o “rio azul” sobre a praça adquiriu sentidos poéticos para além dessas funções programadas.
Circulação
Entre o fazer e o dizer: O mais importante na produção de Amálgamas é o modo como o processo foi operado. Em muitos momentos, o museu apropriou-se das decisões da artista como forma de qualificar e referendar sua ação enquanto instituição. Capturamos aqui um exemplo pontual: a escolha do local.
O local de realização da intervenção foi definido depois de algumas possibilidades terem sido pesquisadas – Largo do Rosário, Largo do Carmo, Estação Ferroviária, Praça Bento Quirino e Largo da Catedral –, todas de relevância histórica para a cidade e todas pertencentes à circunferência que habitualmente a cidade reconhece como sua centralidade. A definição foi pelo Largo das Andorinhas, que, segundo os organizadores, apresentava os seguintes pontos persuasivos: a proximidade do museu; o fato de ser uma área de circulação menor que as demais, o que gerou um controle maior sobre a ação; o fato de ser uma área de forte apelo simbólico, onde localiza-se um monumento ao bicentenário da cidade; a presença de área verde, excelente contraponto ao azul dos sabões; a necessidade de dar visibilidade a um espaço que sofre uma moderada degradação; e a ausência de controladores institucionais da praça, definidores de uso, como a igreja, os postos policiais, os pontos de ônibus etc. Tomada a decisão, coube à instituição conferir uma outra dimensão à praça:
Largo das Andorinhas, no século XIX, era conhecido como Largo do Capim ou ainda Largo do Chafariz da Nascente e depois Mercado Grande, um dos mais antigos espaços púbicos da Cidade. Em 1859 recebeu a primeira edificação para ser muito mais que um mercado, sua principal função era normatizar o viver urbano, organizar não só o consumo de gêneros, mas regular práticas culturais de convivência e sociabilidade. Mas o Mercado, espaço-produto da norma, não se rendeu a ela, mostrou-se senhor de suas próprias leis. Pensado para ser espaço-produto da norma, tornou-se cenário da transgressão, da exposição de libidos atiçadas pela abundância de fontes de água fresca que convidavam escravos, lavadeiras e toda sorte de excluídos a fazerem uso de seus chafarizes para aplacar o calor e lavar o cansaço do árduo trabalho. Atos que ofendiam e geravam protestos dos que se assustavam com a liberdade com que estes expunham seus corpos e suas misérias.[10]
Patrimônio
O texto de Fardin revela-se indicativo do modo como a escolha do local revestiu-se de um discurso de recuperação patrimonial. O Largo estava ao lado de um córrego canalizado, enclausurado sobre as pistas de uma avenida há décadas. Amálgamas ganha, nas esferas das instituições de Memória da cidade (incluído o Macc), a função de apaziguador entre o passado de incessantes alterações e o presente de degradação. É fato que a leitura de Fardin não pode ser considerada inapropriada, mas o objetivo de Furegatti estava distante de ser conciliador. O museu não sentiu dificuldade em manipular essas duas visões, uma vez que, no mesmo material de divulgação em que se encontra o texto supramencionado, encontra-se também um texto de Rodrigo Alves, cujo teor celebra “o vigor mutável dos contemporâneos”, pautando Amálgamas como arte dentro de sua autonomia crítica.
A questão do local fora tão crucial para a artista que, entre o primeiro projeto, mais abstrato e indicador das linhas gerais da proposta, e o segundo, com as determinações mais exatas para o Largo das Andorinhas, Furegatti tentou reconduzir o próprio conceito da intervenção:
O projeto Amálgamas insere-se nas vertentes artísticas contemporâneas que atrelam sua conceituação ao espaço e convívio social urbano. Tomando a cidade, seu fluxo e processo de vida cotidiana como fatores compositivos essenciais, o projeto pretende inserir-se na paisagem da Praça do Largo das Andorinhas, selecionado pela simbologia que carrega e também por seus aspectos técnicos arquitetônicos quanto ao espaço livre e de frequentação cotidiana. Com isso, Amálgamas deve ser entendido como projeto de Site Specific – criado de modo dirigido para acontecer nesse local previamente escolhido e estudado.[11]
Intervenção artística em meio urbano e site specific não são termos excludentes. Contudo, ao contrário da artista, o museu não assimilou essa segunda terminologia por temer que nela residisse uma ambigüidade que retiraria do projeto seu caráter ativo diante das políticas preservacionistas da história urbana da cidade ou mesmo seu caráter mais comunal. Em seu material de divulgação, o MACC defendeu o termo “intervenção urbana” para indicar o caráter ativo do museu no processo (daquele que intervém, altera, modifica) e, ao mesmo tempo, eliminar o caráter particular da escolha do local, como se todas as praças ou qualquer uma delas pudessem receber o projeto[12].
Nas devidas proporções críticas, não podemos deixar de examinar a tese de Crimp[13] como algo relevante para esta análise. Crimp propõe que o museu é uma instituição que busca ocupar o lugar do sujeito criador, na intenção, paradoxal, de esconder-se atrás desse sujeito. É, sem dúvida, uma tese importante, que, se elevada a norma, pode suscitar equívocos, mas , se vista como mais uma característica dos museus e dos sistemas discursivos que os sustentam, pode, desta vez, nos indicar alguns modos de compreender o exemplo entre as formulações discursivas do museu e da artista em questão.
Uso
Outros aspectos podem ser investigados na mesma direção – a utilização do corpo voluntário do museu, em detrimento de grupos de universitários, como proposta inicial da artista ou, ainda, o modo como programas governamentais, na época, (como a “Revitalização do Centro” e a “Zeladoria do Centro”) utilizaram-se do projeto. À primeira vista, essa utilização não revela problema algum, uma vez que projetos em áreas urbanas e públicas podem (e em muitos casos devem) ser apropriados por diferentes agentes sociais, o que pode configurar-se um elogio ao artista. No entanto, as apropriações políticas não deveriam furtar o objetivo central do projeto: a questão tão complexa e urgente sobre água doce.
As instituições de memória poderiam ao menos ter feito da apropriação um projeto bem sucedido de visibilidade da história daquele trecho da cidade, questionando, por exemplo, o próprio nome da praça frente às denominações passadas, refletindo sobre onde foram parar a andorinhas, o que viria ao encontro das questões ambientais que Furegatti pretendeu levantar. A praça era um dos lugares prediletos de pouso das andorinhas no início do século passado (justificativa de Campinas ter o título de Cidade das Andorinhas), o que conferiu a uma casa mais próxima o título de “casa das Andorinhas”, edificação da antiga estação Funilense, demolida em 1956, junto com o beco da Cadeia. No ano seguinte, a praça viu a inauguração, ao lado do soterrado córrego do Barbosa, do monumento Andorinhas, do escultor ítalo-brasileiro Lélio Coluccini. Além desses fatos, há particularidades mais importantes sobre os usos e costumes do século XIX, quando o local era o limite entre a cidade e o campo. Esses aspectos foram, contudo, apenas enunciados e não explorados dentro de linhas específicas de uma responsável educação patrimonial.
Apesar desses questionamentos, os resultados de Amálgamas foram positivos e de modo geral bem aceitos pelos sujeitos ligados às artes e às questões ambientais[14]. Da mesma forma, seu uso pelos profissionais ligados às questões patrimoniais e urbanísticas teve eco, mesmo que modesto. Uma exceção fora o jornalista Edmilson Siqueira, conhecido articulista da cidade, com uma carreira de 25 anos voltada às questões de cunho político-partidário e que publicava diariamente uma coluna denominada Xeque-Mate no principal jornal da cidade. Sob o subtítulo “Fazendo arte”, Siqueira escreve:
Arte?
Será que transformar o Largo das Andorinhas numa espécie de céu das lavadeiras, forrando o chão com pedaços de sabão azul, é arte? Um senhor que passava pelo local, viu aquela cena toda - que no jargão das artes plásticas é denominada “intervenção” - e saiu-se com essa: “No meu tempo isso era chamado de falta do que fazer”.[15]
É emblemático que tal trecho venha ao final, após comentários sobre questões políticas, administrativas e legais, e demonstra o quanto, mesmo num universo midiático tão distante daquele que a imprensa chama de “cultura”, encontramos parte da resposta que nos indica o porquê de um museu público como o MACC, após quase 40 anos de existência, não possuir em seu acervo um projeto de uma intervenção pública realizado. Seria muito simples explicar tal ajuste pela falta de convicção das instituições públicas ou pela ausência de clareza na escolha dos valores culturais; alguém para assinar embaixo, arriscar-se. Levar a discussão por esses caminhos resulta apenas na personalização temporária da questão. O que está em jogo para museus que se servem da arte contemporânea, fora dos eixos dominantes da arte, como é o nosso caso, é o que eles podem e devem autorizar como sendo arte. Lembrando Malraux: “O museu impõe uma discussão de cada uma das representações do mundo nele reunidas, uma interrogação sobre o que, precisamente, as reúne” [16], podemos nos perguntar sobre o modo como, através dos acervos dos museus, poderemos questionar suas intenções enquanto, a seu modo e finalidade, mantenedores e fixadores de parte da memória artística de uma comunidade.
Perguntas ficaram abertas e são freqüentemente dirigidas aos administradores de museus menores, que possuem uma limitada rede de financiadores, se não uma fonte única de recursos. A sugestão de que bens artísticos tombados por museus de arte devem ser preservados em sua natureza original perde o sentido pleno diante de projetos como Amálgamas que, na sua especificidade como site specific, sempre dependerá das variáveis sobre o espaço escolhido, neste caso, o Largo das Andorinhas. Sua natureza, mesmo durante sua trajetória, exige que os acervos absorvam projetos que são mais continuamente reformulados do que realizados, uma vez que a própria possibilidade de se refazer o projeto pode perder o sentido; afinal, as motivações políticas sobre o tema podem mudar de modo a conferirem à Amalgamas uma visão um tanto precária. Essa visão de uma obra de arte em contínuo movimento ou que foi realizada em condições muito específicas é algo muito estranho numa sociedade que sacraliza alguns modos de fazer arte, enquanto outros modos ganham selos como “falta do que fazer”.
Bibliografia
CERTEAU, M. de. A cultura no Plural. Trad. Enide Abreu Dobránszky. Campinas : Papirus, 1995.
CHOAY, F. A Alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade: Editora Unesp, 2001.
CRIMP, D. Sobre as ruínas do museu. Trad. de Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FREIRE, C. Espaço e Lugar : os registros da paisagem urbana na arte contemporânea. In : SALGUEIRO, H.A (org). Paisagem e Arte. CBHA, CNPq, FAPESP (I Colóquio Internacional de História da Arte), 2000.
FUREGATTI, S. Arte no espaço urbano: contribuições de Richard Serra e Christo Javacheff para a formação do discurso da Arte Pública atual. (dissertação de mestrado), São Paulo, FAU-USP, 2002.
_______________. A quadra, o trânsito e a arte contemporânea em Campinas. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/drops/drops13_02.asp . Acesso em 27 de fevereiro de 2006.
KRAUSS, R. La escultura en el campo expandido In: La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Madrid, Alianza, 1996, p. 289-303.
MALRAUX, A. O museu imaginário. Lisboa : Edições 70, 2000.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo: Exo Experimental Org.; Editora 34, 2005.
Outras fontes
Jornal "Correio Popular", de 26 de agosto de 2003, coluna Xeque Mate, de Edmilson Siqueira.
Museu de Arte Contemporânea de Campinas. Folder de divulgação da fase documental do projeto Amálgamas, publicado em 4 de setembro de 2003.
[1] cf. FREIRE, p.357-62
[2] O Museu de Arte Contemporânea de Campinas “José Pancetti” (MACC) foi fundado em 1965, pela Prefeitura Municipal de Campinas, por meio de um movimento de artistas contemporâneos da cidade que careciam de um espaço público para as exposições voltadas à arte produzida através dos preceitos modernos e contemporâneos. A sede definitiva do museu só fora alcançada a partir de 1976, uma edificação no centro da cidade, compartilhada com a Biblioteca Pública Municipal, onde o museu ocupa 1.300 m². Seu acervo conta com cerca de 680 obras.
[3] cf. KRAUSS, 1996.
[4] cf. CHOAY, 1992, p.176.
[5] Sylvia Furegatti faz doutorado no Departamento de História da Arquitetura da FAU-USP; acumula prêmios e citações em publicações especializadas, como o livro “Novíssima Arte Contemporânea”, e na seleção da revista Bravo!; expõe em diferentes museus e galerias do Brasil. Em 2002, participou da mostra retrospectiva de 100 anos da pintura de José Pancetti, no MACC, como artista representante de Campinas.
[6] Nesse mesmo momento o museu havia lançado o projeto ACERVOemEVIDÊNCIA, cuja finalidade era dar visibilidade ao seu acervo através de exposições, aquisições e publicações dirigidas. O que indica o quando o MACC estava consciente de sua defasagem diante de acervos de arte contemporânea de outros museus regionais.
[7] cf. CERTEAU, 1995, p.212.
[8] FUREGATTI, S. A quadra, o trânsito e a arte contemporânea em Campinas – nov 2005. Resenha sobre a intervenção artística urbana denominada A Quadra da artista Cecília Stelini, realizada em 22 de setembro de 2005, em Campinas. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/drops/drops13_02.asp . Acesso em 27 de fevereiro de 2006.
[9] O sentido de compartilhado é aquele extraído do pensamento do pensador J. Rancière, cf. 2006, p.15.
[10] Texto Amálgamas publicado no folder da fase documental pelo MACC, de autoria da historiadora Sonia Fardin, que ocupava, naquele momento, a direção do Departamento de Turismo e Memória, ao qual o museu estava subordinado.
[11] Trecho do projeto produzido pela artista em março de 2006, grifo da artista.
[12] É evidente aqui o caráter autobiográfico dessa pesquisa, uma vez que foram minhas as decisões de eliminar um termo em detrimento do outro. Apenas hoje percebo o quanto tais ingerências foram úteis à instituição e distantes dos desejos da artista.
[13] cf. CRIMP, 2005, p.17
[14] Um dos pontos fundamentais da obra é que, ao estetizar a pedra de sabão, a artista estaria propondo a eliminação da escala produtiva da mesma. Cada pedra fora chancelada com o logo do projeto e portava um pequeno pergaminho azul com uma frase, e seu fim era ser guardado como suvenir, longe do seu uso cotidiano, danoso ao meio ambiente.
[15] cf Jornal Correio Popular, 26/8/2003.
[16] cf. MALRAUX, 2000, p.12
Fonte: Site EPTV.com / laze e cultura
25/11/2009 - 10:50
Especial 79>09

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Fragmentos de “A CONSTRUÇÃO DO OLHAR” de Fayga
Ostrower
NOVAES, Adauto (org.). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
...quando um artista começa a criar uma imagem, ele parte de um plano pictórico, uma superfície. Esta superfície ainda está vazia, não há nada dentro dela, mas ela já constitui uma forma espacial.

...A elaboração artística consiste em transformar o espaço do plano pictórico em espaço expressivo (...) o artista configura o conteúdo de seus sentimentos em formas de espaço, usando todas as virtualidades dinâmicas do plano pictórico. Assim ele caminha da figura do plano para a figura de sua imagem. Jamais então a criação artística surge do nada. A obra de arte deve ser entendida como resultado de um processo de transformação, partindo de certos dados e chegando a outros dados.

...Quando pensamos o que mais distingue os seres humanos, na sua humanidade, sua compreensão e criatividade, terminamos chegando sempre a qualidades estéticas: ao senso de harmonia e de beleza que os homens são capazes de entender nas ordenações universais da Natureza. A sensualidade da percepção, que se transforma em espiritualidade. Então estes conteúdos podem ser transmitidos visualmente pelas imagens de arte, e nós os compreendemos sem precisarmos usar de palavras. Só o olhar.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Variações

"é uma instalação composta por três piscinas com água aquecida e em movimento permanente, com diversas tigelas de porcelana de diferentes dimensões flutuando. Elas rodam incessantemente do centro para fora, conforme a corrente gerada pela bomba, numa coreografia hipnótica do olhar, ao mesmo tempo em que ao se baterem de modo "acidental", produzem uma coleção de sons variados, uma sonoridade suave e repetida, como um mantra que preenche o espaço." Ivo Mesquita - Curador - Projeto octógono Arte Contemporânea


Vídeo da Exposição Variações de Céleste Boursier-Mougenot. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 07/10/2009.

"as emoções dão colorido a toda experiência humana, incluindo os níveis mais altos do pensamento." Yi-Fu Tuan, Espaço e Lugar, 1983. pg.09

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Rubik Cube for Blind by Zhiliang Chen


"como a aranha com sua teia, cada indivíduo tece relações entre si mesmo e determinadas propriedades dos objetos; os numerosos fios se entretecem e finalmente formam a base da própria existência do indivíduo." Christian Norberg-Chultz, 1975.

A experiência passa pelos sentidos...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Arquitetura, arte, design e ....museu.

Um pouco de informações sobre arte, arquitetura, design e o projeto do Vitra Design Museum, Weil am Rhein - Basiléia (1987/1989), de Frank Gehry.


Renato De Fusco em seu livro, “História da Arte Contemporânea” (1988), enumera alguns dos últimos movimentos de arte que marcaram a passagem da modernidade para a pós-modernidade. A Body Art, uma arte que utiliza o corpo do artista como o meio expressivo, sendo considerada a última ramificação do Expressionismo; o Pop Art refletiu alguns aspectos da cultura de massas e a justificativa dessa corrente; a Minimal Art, síntese da Op e Pop Art, uma das mais recentes manifestações da escultura contemporânea.

A cena contemporânea, em um mercado internacionalizado de novas tecnologias e de diferentes atores sociais, desenvolve-se em experiências culturais diferentes. As novas orientações artísticas, apesar de distintas, partilham de um espírito comum, cada um a seu modo nas tentativas de dirigir a arte, às coisas do mundo, à natureza, à realidade urbana e ao mundo da tecnologia. (www.itaucultural.org.br/.../Enciclopedia/ artesvisuais2003/).

Montaner em seu livro, “Depois do Movimento Moderno - Arquitetura da Segunda Metade do Século XX” (2001), lembra que a arquitetura recentemente recorreu a um novo paradigma: o estatuto da obra de arte. Sempre à procura de modelos que reconduzissem sua complexidade, junto às várias referências.

Deste modo, com o aumento das possibilidades tecnológicas, no final do século XX, uma posição arquitetônica tenta se afastar da produção em série e se abrigar no campo da obra de arte contemporânea. “Esse caminho busca na obra de arte com seus componentes irracionais, um modelo que lhe dá legitimidade e estrutura para os processos de investigação formal.” (Montaner, p. 216)

Montaner destaca a evolução dos experimentos entre arte e arquitetura, dentro do contexto norte-americano, a partir do final dos anos sessenta. E, o grupo SITE (Sculpture in the Environment), encabeçado por James Wines, une escultura ambiental com escultura inovadora, seguindo a via da arte pop e da arte conceitual. (p.216)

Como parte da arquitetura atual se baseia na multidisciplinaridade, as sugestões da pintura, escultura, cinema, etc., podem enriquecer o design e a arquitetura. “Este universo novo e heterogêneo de objetos pode ser imaginativo e esboçado.” Assim, suas fronteiras tornam-se difusas. (Montaner, p.215)

O artista portanto, se aproxima da realidade concreta - o de integrar o que se palpita nas ruas. O arquiteto, por sua vez, busca se aproximar dos mecanismos da criação artística para resgatar uma autenticidade perdida. Como as intervenções que artistas plásticos fazem em interiores, espaços públicos e paisagem.

Dentro dos exemplos desta interação no âmbito da arquitetura internacional, encontra-se a arquitetura e o design de Frank Gehry. Com o seus vários projetos, destaca-se aqui: o Vitra Design Museum, Weil am Rhein - Basiléia (1987/1989).

Vitra é uma empresa dedicada à construção de móveis, com projetos para os diversos edifícios no recinto da fábrica. Foi concedido a Gehry, o projeto do Stuhlmuseum (Museu da Cadeira). São 8.000 metros quadrados de construção em dois pavimentos, dedicada a exposições de cadeiras, design e programas educacionais. O museu abriga exposições temporárias sobre temas de design de mobiliário.

Moneo em “Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos”(2008), analisa o projeto do Vitra Design Museum. Ele diz que Gehry ao perceber um esgotamento no mecanismo que o levava a recomposição do fragmentário, sente-se atraído por uma arquitetura em que a força do unitário é notada. “Ela é contínua, unitária e móvel. O museu do Desenho é uma construção de cubos montados entre si, como num tabuleiro de xadrez, que parecem desafiar as leis da gravidade. (...) Não se identificam elementos que o compõem, o edifício se apresenta como realidade pura." Podem-se estabelecer paralelos com esculturas de vanguardas (Pevsner ou Naum Gabo, More ou Stella). Desta forma, nos mostra como é possível modelar os espaços.
“Gehry não faz distinção entre espaço interior e exterior. Ele dissolve a distinção entre dentro e fora, entre interior e exterior - um espaço indefinível e fluído. Uma idéia que leva a uma figuração em que a unidade prevalece e o movimento se apresenta como atributo indispensável." (...) "Um passo importante de abandonar os mecanismos formais derivados do cubismo, tornando-se um projeto-chave em sua carreira." (Moneo, p.274)

O Guggenheim Museum de Bilbao (1991-1997), seu prédio mais conhecido, um tumulto de contornos e formas, à margem do rio Nervion é um reflexo da cidade com formas novas e dinâmicas. "Seu projeto permite comprovar que o programa estabelecido em Vitra serve para levar adiante uma obra de grande porte, além de demonstrar sua astúcia como urbanista." (Moneo, p.278)

“Por definição, um edifício é uma escultura porque é um objeto tridimensional." Frank Gehry

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Interação

Interagir por meio da tela ou ir para a rua? Dêem uma olhada.

Blogs relacionados: O Primeiro Museu de Streetart ao Ar Livre do Mundo! - http://www.museuefemero.com/



Companhia de Teatro de Rua “Royal de Luxe”.

Royal de Luxe é uma companhia francesa de teatro de rua, que se caracteriza por usar marionetes gigantes em suas obras.
Instalado em Nantes, a companhia foi fundada em 1979 por Jean Luc Courcoult. A história da Royal de Luxe é a rejeição da tradição a uma concepção diferente de criação.
Percebe-se uma especificidade e variedade da linguagem teatral.

www.slideshare.net/cab3032/royal-de-luxe

Usina Orgânica - Um organismo com atividade de usina.
As apresentações são relativamente simples. São colocadas enormes peças, barris, um foguete em madeira pela cidade….um ou dois dias depois o Gigante, ou animal chega na cidade, acorda, e começa a passear pela cidade, fazendo seus afazeres normais, e muitas vezes, interagindo com o público. Todo esse trajeto faz parte de uma história, que vai se desenrolando durante o trajeto, culminando no encontro dos outros Puppets (um Peixe Abissal , uma Lula , Homens , Crianças e um Enorme Elefante), que estavam em outro lado, chegando ao ponto de encontro, onde acontece uma encenação e o Grand Finalle!

Cada Puppet é comandado por 10 a 15 Pupeteers que ficam acoplados às peças (feitas em madeira) e o maquinário (extremamente complexo) é uma mistura mecânica de motores e hidráulica , simetricamente perfeita.
No Youtube há uma série de vídeos de performances deles :
http://www.youtube.com/results?search_query=royal+de+luxe&search_type
http://fr.wikipedia.org/wiki/Royal_de_Luxe
http://knowing-nantes.blogspot.com/2007/07/elephant-that-royal-de-luxe-built.html

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Museus



Dentro do panorama atual da condição contemporânea da arquitetura de museus, Montaner em “museus para o século XXI”(2003), ressalta que eles devem ser inseridos nos contextos atuais, proporcionados pela criação, ampliação e transformação dos mesmos.

A instituição museu ampliou seu papel dentro das sociedades contemporâneas, apesar das constantes crises, agravadas pelas críticas da arte de vanguarda e pelas destruições causadas pela Segunda Guerra Mundial. Essas crises reafirmaram o poder do museu como instituição de referência e de síntese, evoluindo e oferecendo modelos alternativos.

A idéia de museu foi essencial na definição dos conceitos de cultura e arte na sociedade ocidental. Sabendo que seu nascimento e evolução estão relacionados com o colecionismo público e privado e com a definição dos Estados Modernos. Assim, os edifícios culturais, especialmente os museus, passaram a representar papel preponderante nas grandes e pequenas cidades.

Com o aumento de um maior número de visitantes, houve uma necessidade de multiplicar os serviços de museu, com exposições temporárias e locais de consumo. Reforçadas assim, nas palavras de Luiz Fernandez-Galiano, editor da revista espanhola A&V, “A cultura ocupa lugar: mas nunca havíamos pensado que tanto (...)” (Montaner, Revista Projeto, n.144, p, 31, ag.1991).

Dentro do panorama atual, algumas obras souberam transpor os limites do tempo servindo de referências neste século.

Montaner, em seu livro, qualifica duas posições tipológicas dos museus contemporâneos: o museu de forma orgânica e irrepetível, e o museu entendido como contêiner ou caixa polifuncional e repetível.

Entre outros, seguindo a classificação de Montaner, adaptam-se ao primeiro caso, o Museu Guggenheim de Nova York de Frank Lloyd Wrigt e o Museu Guggenheim de Bilbao, Espanha, de Frank Gehry. Eles têm na singularidade e no caráter excepcional suas marcas diferenciais, daí serem “irrrepetíveis”. Os espaços do museu de Bilbao são umas sínteses dos diversos tipos de concepção museográfica do final do século. Salas convencionais para obras tradicionais. Grandes salas para abrigar obras de grandes formatos do pop e minimal art; definições de altura dupla e forma singular para coleções concretas ou exposições individuais; uso de recantos ou locais de passagem que objetivam alojamentos artísticos singulares; coleções de fotografias ou de vídeo instalações e a configuração de grandes salas neutras em planta baixa para exposições temporárias de visitação maciça.
No segundo caso e de forma oposta, figuram o Museu da Técnica, Deutsches Museum, em Munique, Alemanha (1925- cuja sede moderna foi projetada por Paolo Nestler em 1961) e o Museu Nacional do Espaço, em Washington, EUA (1971-1975). Eles representam a idéia primitiva de museu, arquitetado como se fossem “uma caixa estática e fechada, acadêmica e simétrica”. Ocorre que, esta idéia primitiva abriu-se para o crescimento e a evolução, permitindo constantes adaptações e adequações, que levaram à transformação da concepção do seu interior e gradualmente à perda do seu antigo caráter abstrato.

O Museu de Arte de São Paulo (MASP, 1957-1968) é um nítido exemplo do processo de abandono da abstração com aproximação aos modelos e realidades modernos. Isto porque, tradicionalmente racionalista e abstrato, o Masp, impactou ao ter um enorme prisma suspenso sob uma grande praça coberta e ousou por não oferecer fachada a uma obra grande, nem uma entrada convencional.
O Centro Pompidou em Paris (1972-1977) de Renzo Piano e Richard Rogers é a evolução crucial do museu como contêiner.
A Tate Modern, em Londres (1994-2001), de Herzog e De Meuron, por sua vez, constitui um novo elo depois dos edifícios-massa, como o Centro Pompidou e do projeto de Koolhaas para Karlsruhe. Entende-se por edifícios-massa como sendo, um centro de arte multifuncional e popular - as “caixas mega-estruturais”.

Uma boa resposta à complexidade do museu contemporâneo, segundo Montaner, seria um espaço neutro, com um forte suporte tecnológico e máxima plurifuncionalidade. A arte do século XXI é caracterizada por um sentido bastante diverso de valores que refletem o mundo globalizado. As programações de museus devem estabelecer projetos de parceria com o público para um conhecimento coletivo. Para tal, a instituição deve funcionar como espaço para questionamento e convívio de valores divergentes.

As classificações de museus segundo Montaner (2003) são:

Os museus como objeto minimalista são museus que adotam formas bastantes definadas de caixa. Tadao Ando, buscou ao longo de uma série de projetos a forma mais arquetípica e sagrada de museu. No Museu de Arte Moderna, Fort Worth (2002), Tadao Ando criou uma série de caixas gigantescas com pórticos de vidro por fora e de concreto por dentro.




Museu de Arte Moderna, Fort Worth, 2002. Tadao Ando




Um exemplo mais modelar do minimalismo é a pirâmide de cristal do Grand Louvre, em Paris (1983-1989) de I.M.Pei. Outros exemplos de museu caixa e minimalista é o Museu de Escultura, São Paulo, o Mube (1995) e a Pinacoteca do Estado de São Paulo (1999). Uma forma de museu entendido como lugar público, caracterizado por uma praça, um grande pórtico, semi-enterrado e a transformação de um edifício existente, simétrico e acadêmico em uma tipologia longitudinal e dinâmica.

O “museu-museu” são os que se resolvem internamente a partir da própria estrutura tipológica e dos que adotam uma forma que se integra à morfologia urbana. É a configuração dos edifícios como uma estrutura de espaço pensada com critérios de análise tipológica, para atender ao caráter das coleções. Cada novo museu surge como interpretação daqueles que o precedeu, redefinindo elementos essenciais (salas e clarabóias), comportando edifícios definidos e compartimentados. Um exemplo dessa concepção foi o Centro de Arte Contemporânea, em Vassivière, na França de Aldo Rossi (1991). Faz referências a tipologias alheias ao museu e próximas dos edifícios religiosos, agrários e marítimos: capela, silo e farol.


Centro de Arte Contemporânea em Vassivière (1991), França. Aldo Rossi.


O museu que se volta para si mesmo é aquele museu que se encerra em torno de sua coleção e de seus espaços e ao mesmo tempo abre-se delicadamente para seu exterior. É uma arquitetura que parte da atividade interior, buscando os focos de luz natural e a vista do entorno. O Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela, Espanha (1988-1993), de Álvaro Siza Vieira é um exemplo de museu que se volta para si mesmo. Planta em forma triangular que permite fechar-se em si mesma, adaptando-se à memória da cidade com seus muros de pedra. Localiza-se no jardim histórico existente, remodelado pelo próprio Siza.




Dentro da fragmentação, condição contemporânea junto à complexidade dos programas de museus, existe o museu colagem, que é um museu que se resolve por colagem de fragmentos diversos, subdividindo a diversidade das exigências em diversos corpos. É uma característica que se consolidou nos anos oitenta, nos museus da última geração, na condição pós-moderna. Os valores metafóricos, narrativos e representativos ganharam importância para superar a concepção do museu como caixa branca, defendida na época da arquitetura moderna. Notados em museus de arte contemporânea, em que permitiram rastrear todas as possibilidades da relação entre obras de arte, espaços de exposição e expressividade dos contentores. Foi como James Stirling realizou em seus últimos museus, com suas promenades architecturales. E, um exemplo de museu fragmentado foi o Museum of Contemporary Art (MOCA) em Los Angeles (1982-1986), de Arata Izokazi. Uma articulação de volumes dispersos e fragmentados, organizados em torno às praças e pátios, no centro da cidade de Los Angeles.



Museum of Contemporary Art (MOCA) (1982-1986), Los Angeles, Arata Izokazi.



O antimuseu é a negação de qualquer solução convencional e representativa. Duchamp chegou a total problematização do espaço da galeria de arte e da organização do museu, criando peças como o seu museu portátil ou Boîte en valise (1941). Em outras situações ocorrem diversos exemplos de utilizar espaços metropolitanos que não pertencem às redes de museus: exposições espalhadas pela cidade, utilização de vitrines de armazéns, edifícios a ponto de ser derrubados, obras em construções, etc.



Boi en valise ou museu portátil (1941), Marcel Duchamp


As formas de desmaterialização podem se desenvolver em múltiplas direções, desde a caixa transparente e leve até as formas que se espalha pelo espaço urbano ou que se camuflam por trás de outros edifícios. Um exemplo de camuflagem e dissolução é o Museu das Cavernas de Altamira, em Santillana del Mar (1995-2001), de Juan Navarro Baldeweg, obra de forma escalonada que não quer interferir na paisagem, com pretensão de ser uma caverna submergindo na terra. Outro exemplo da dissolução da forma no entorno urbano é a Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, em Paris (1991-1994) de Jean Nouveal. A estrutura de aço o mais leve possível, desmaterializa-se entre gigantescas árvores do jardim.


Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, Paris (1991-1994), Jean Nouveal.



segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Conforto



http://www.jeltevangeest.nl/

O amor pela arte

Museu do Futebol, 2009.
Foto: Ana Cristina Satiro
"(...) os museus abrigam tesouros artísticos que se encontram, ao mesmo tempo (e paradoxalmente), abertos a todos e interditados à maioria das pessoas." Pierre Bourdieu - o amor pela arte: os museus de arte na europa e seu público. pg.09

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Complexidade

“Não se deve acreditar que a questão da complexidade só se coloque hoje em função dos novos progressos científicos. Deve-se buscar a complexidade lá onde ela parece em geral ausente, como, por exemplo, na vida cotidiana”
“Num certo sentido (..) a aspiração à complexidade traz em si a aspiração à completude, já que tudo é solidário e que tudo é multidimensional”
“Além disso, devemos saber que (..), os conceitos não se definem jamais por sua fronteiras, mas a partir de seu núcleo”
Edgar Morin

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Contemporâneo (período)

“o período contemporâneo sucede temporalmente ao pós-moderno, porém não existe, diversamente do caso anteri­or, qualquer evento crucial ou questão que centralize as atenções culturais ou caracterize com eficiência semelhante estes dois perío­dos como etapas independentes. Talvez porque efetivamente se trate de uma seqüência de eventos conectados, mais do que de uma segmentação conceitual, como certos usos dessas expressões chegam a sugerir”
Carlos Roberto Zibel Costa

O desenho

“O desenho torna-se modo de possuir coisas, o desenho torna-se o modo de absorver a coisa, o desenho torna-se o modo de viver a coisa, o desenho torna-se o modo de oferecer a coisa em sua realidade não circunstancial”
Carlos Drummond de Andrade